Gabriel Pereira Dantas, de 26 anos, se entregou à polícia e foi preso nesta quinta-feira (23), no Centro de São Paulo, após assumir que participou dos assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips, no Amazonas. Em um vídeo, registrado pela Polícia Civil, o homem dá detalhes de como teria sido seu envolvimento nos crimes.
De acordo com o G1, como ainda não havia um mandado de prisão, a Polícia Civil gravou o depoimento de Gabriel para apresentá-lo para a Polícia Federal, que está investigando o caso. O suspeito chamou o indigenista e o jornalista brasileiro de “dois turistas”, disse ter visto quando os executores atiraram na dupla, e revelou que os ajudou a jogar os pertences das vítimas no rio.
Segundo Gabriel, ele estava no Atalaia porque fugia do Comando Vermelho e estava ameaçado de morte pela facção do Rio de Janeiro. “Eu tinha passado uma semana lá [na região]. Acho que já está com um mês por aí. Aconteceu que eu tava no flutuante do rapaz que eu conhecia há um tempo. É uma casa que flutua na água. Eu já conhecia esse rapaz há muito tempo. Eu fui pra lá para ficar tranquilo porque eu tinha sido ameaçado de morte em Manaus. E lá eu conheci o Pelado”, declarou.
Enquanto bebia com Pelado, Gabriel teria sido chamado para pilotar a canoa. Mesmo sem saber o que o colega iria fazer, ele disse ter ido atrás. “Foi quando uns turistas passaram. Aí ele chamou, ele perguntou se eu sabia pilotar a rabeta. Eu falei que sim. Aí só entrou e a gente saiu e foi embora”, afirmou. Na sequência, o suspeito viu os tiros – primeiro em Dom e depois em Bruno. “Aí foi quando a gente alcançou e ele já chegou atirando. Uma 16, ela é uma espingarda”, recordou.
Gabriel expôs como teria ajudado na cena do crime. “Eu ouvi dois [disparos]. Atingiu um que a 16 é cheia de chumbo dentro do cartucho. Com um disparo daquele ali… Aí depois só fiz ajudar. [Os dois caíram] dentro da voadeira deles. A gente amarrou [os corpos] na canoa. A gente foi antes da comunidade lá… A gente foi mais pra cima um pouco da margem, num lugar bem isolado. Aí eu só fiz tirar [os dois]. Na hora eu fiquei em desespero”, detalhou.
Pelado teria chamado mais dois homens em seguida, quando Gabriel os teria ajudado a “dar fim nas coisas de Bruno e Dom, jogando as mochilas e coisas na margem do rio”. O suspeito disse ter fugido e passado pelas cidades de Santarém (PA), Manaus (AM) e Rondonópolis (MT) até chegar em São Paulo. Já na capital paulista, o homem relatou que não aguentava mais essa situação em que estava na rua e, por conta disso, decidiu se apresentar aos policiais militares. Assista a um trecho do depoimento:
Outras três pessoas também já haviam sido presas, suspeitas de envolvimento no caso do indigenista e do jornalista britânico. Amarildo da Costa Oliveira, conhecido como “Pelado”, foi quem confessou o crime e indicou o local da ocultação dos corpos. Posteriormente, ele voltou atrás em seu depoimento e negou ter assassinado a dupla. Seu irmão, Oseney da Costa, teria ajudado a esconder os restos mortais e foi preso na semana passada. Jeferson da Silva Lima, o “Pelado da Dinha”, se entregou à polícia no último sábado (18). Amarildo teve de ser transferido para Manaus (AM), enquanto os outros estão detidos temporariamente em Atalaia do Norte (AM).
Liberação dos corpos de Dom e Bruno
A Polícia Federal informou que os restos mortais de Dom e Bruno seriam entregues ainda hoje para seus familiares. De acordo com a corporação, as perícias foram concluídas e confirmaram que os materiais encontrados no Vale do Javari eram mesmo dos dois desaparecidos. “As amostras biológicas apontaram a presença de 02 (dois) Perfis Genéticos distintos nos remanescentes humanos encontrados pela Perícia da Polícia Federal. Os resultados encontrados estão em consonância com as análises de Odontologia Legal, da Antropologia Forense e da Papiloscopia que apontaram tratar-se dos remanescentes de Dom Phillips e Bruno Pereira”, disse um comunicado.
No final de semana, a PF revelou que as vítimas foram atingidas com tiros. Bruno foi baleado três vezes, na cabeça e no tórax, já o jornalista, uma vez, no tórax. O exame médico-legal feito pelos peritos aponta que “a morte do Sr. Dom Phillips foi causada por traumatismo toracoabdominal por disparo de arma de fogo com munição típica de caça, com múltiplos balins, ocasionando lesões principalmente sediadas na região abdominal e torácica (1 tiro)“.
Já a morte do indigenista “foi causada por traumatismo toracoabdominal e craniano por disparos de arma de fogo com munição típica de caça, com múltiplos balins, que ocasionaram lesões sediadas no tórax/abdômen (2 tiros) e face/crânio (1 tiro)“. Os corpos foram esquartejados, incendiados e enterrados.
Na sexta-feira (17), a Polícia Federal afirmou que, até o momento, não há mandante no duplo assassinato. A motivação do crime também segue alvo de apuração. As principais hipóteses apontam para uma relação com a atividade de pesca ilegal e tráfico de drogas na região.
O desaparecimento
Além de indigenista, Bruno Araújo Pereira era servidor federal licenciado da Funai. Ele também dava suporte à União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) em projetos e ações específicas. Em 2018, se tornou o coordenador-geral de Índios Isolados e de Recém-contratados da Fundação Nacional do Índio, mas foi exonerado em 2019, após pressão de setores ruralistas ligados ao governo Bolsonaro.
Dom Phillips morava em Salvador com a família e fazia reportagens sobre o Brasil para veículos como Washington Post, New York Times, Financial Times e The Guardian. Em seu trabalho, ele investigava e denunciava o garimpo ilegal, e tratava da defesa ambiental.
Os dois sumiram durante visita à equipe de Vigilância Indígena, localizada próxima ao Lago do Jaburu, no dia 5 de junho. O objetivo do jornalista era realizar algumas entrevistas com os indígenas. Defensor dos povos originários, Bruno recebia ameaças constantes de madeireiros, garimpeiros e pescadores.
As buscas começaram no dia 5 de junho por integrantes da Univaja. Sem sucesso, eles acionaram as autoridades no dia seguinte. Agentes da Polícia Federal, da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), da Marinha e do Exército participaram da operação. Phillips estava trabalhando em um livro sobre meio ambiente com apoio da Fundação Alicia Patterson.
No dia 11 de junho, a Polícia Federal já havia apontado que foram encontrados “materiais orgânicos aparentemente humanos” no Rio Itaquaí, próximo ao porto de Atalaia do Norte. As buscas pelos desaparecidos estavam concentradas em uma área abaixo da “Comunidade Cachoeira”, em Atalaia do Norte. Para reforçar a procura, o governo do Amazonas enviou bombeiros, policiais civis e militares. Voluntários também revelaram os sinais de escavação às margens daquele rio, local em que Pereira e Philips foram vistos navegando.