Hugo Gloss

Entrevista: Após “Big Brother Portugal”, brasileira Ana Catharina fala sobre machismo e homofobia no reality, diz se toparia BBB e critica regra de sua edição: ‘Absurdo’

Ana Catharina bombou muito no "Big Brother Portugal". (Fotos: Arquivo Pessoal; Reprodução/TVI)

Após uma temporada que deu o que falar, a brasileira Ana Catharina chegou ao quinto lugar do “Big Brother Portugal”. Em entrevista exclusiva ao hugogloss.com, a instrutora de yoga refletiu sobre as diversas polêmicas envolvendo machismo e homofobia no programa. Ana ainda revelou como se sentiu ao se manifestar e até mesmo confrontar as regras do reality, e se comoveu ao lembrar de quando soube da morte do pai, ainda na casa.

Afronta às regras do “Big Brother Portugal”

No início de junho, a produção do “Big Brother” decidiu, arbitrariamente, imunizar todos os homens da casa, obrigando os participantes a votarem apenas nas sisters. Ana não se conformou com a regra e foi punida após bater o pé para não votar em nenhuma das colegas. “Eu achei essa regra sexista, achei sem noção nenhuma”, contou ela, que assumiu os riscos de seu afronte. “Na minha cabeça, achava que eu seria expulsa. […] Estava pronta pra assumir as consequências… Meus princípios, meus valores, o que eu fui fazer lá e o que eu acho certo na vida são muito maiores do que um reality show”, afirmou.

Machismo dentro e fora da casa

As atitudes machistas de certos participantes dentro da casa também causaram revolta no público. Ana, por sua vez, nega ter se sentido discriminada no confinamento – mas, que sim, percebeu machismo de alguns dos homens. “Eu acho que o machismo tá entranhado na tradição mesmo, e na cultura. Já dizia o Criolo: ‘As pessoas não são más, elas estão perdidas’. Tinha muita gente ali que realmente estava perdido, reproduzindo comportamentos culturais, como se fossem cegos”, afirmou.

Do lado de fora do confinamento, Catharina pontua que é “inegável” o preconceito sofrido por mulheres brasileiras em Portugal – e em vários países. “Portugal tem muitos aspectos maravilhosos, é um país realmente acolhedor, eu sinto isso. Mas eu acho que existem certas tradições aqui que eles são muito apegados. Mas eu acho que isso tá mudando… Em relação especificamente ao preconceito, sim, existe, não tem como dizer o contrário”, avaliou ela.

Casos de homofobia no reality

Em diversas ocasiões, brothers do “Big Brother Portugal” se mostraram homofóbicos, com atitudes que renderam a eles punições. “A gente se sente afetada quando falam coisas absurdas assim, a gente se sente triste. Quando se vai contra o amor, é uma forma de violência… A vontade é de confrontar: ‘Isso é um absurdo! Você não sabe o que você tá falando’”, recordou a brasileira sobre um dos episódios. Entretanto, ela reagiu de outra forma. “Tentei não julgar os que julgam… Fazer com que as pessoas percebessem que o amor não tem gênero, não tem idade, lugar. O amor é lindo, é mara. É desafiador fazer isso”, disse ela. “Talvez Portugal tenha essa coisa da tradição do casamento heterossexual muito enraizada… Dessa tradição, do arquétipo do casal hétero”, analisou.

Ana Catharina reuniu os brothers na sala e e se manifestou contra as falas homofóbicas no “Big Brother Portugal”. (Fotos: Reprodução/TVI)

Notícia da morte do pai ainda na casa

Enquanto ainda estava confinada, Ana soube da trágica perda de seu pai. “Era a única coisa que queria saber de informação exterior, um falecimento na família”, afirmou. Segundo a carioca, até hoje ela “não conseguiu processar” todos os acontecimentos. Emocionada, a sister lembrou que não foi fácil lidar com o luto em frente às câmeras: “É muito difícil isso, porque você tá num estúdio de televisão, né? O luto é um momento muito particular. É muito íntimo. Estar exposta daquele jeito, vivendo isso, foi surreal”.

Mesmo assim, ela não pensou em desistir do programa. “Eu estava completamente impotente e meu pai também não podia ter cerimônia, por causa da Covid-19”, citou. “Não podia nem viajar pro Brasil, não podia fazer absolutamente nada. Se eu fosse pro Brasil, ainda podia colocar em risco a vida da minha avó, porque eu não ia poder abraçar, não ia poder encontrar. Mas foi [difícil] e tá sendo ainda”, confessou Ana, com a voz embargada, lembrando o pedido de sua avó pra que não desistisse.

No nosso papo, Ana ainda revelou outra situação no jogo que a deixou incomodada, contou como foi o processo inusitado até que ela entrasse no “Big Brother” de Portugal, e falou sobre seus posicionamentos políticos – contra Bolsonaro – durante o programa. Ela também declarou sua admiração por Manu Gavassi, deu sua opinião sobre estar na atração durante a pandemia, falou TUDO sobre seu affair com o participante Diogo Cunha e ainda mencionou se cogita participar de realities no Brasil – como o “Big Brother Brasil” e “A Fazenda”. Será que vem aí?

Confira na íntegra a entrevista de Ana Catharina com o HugoGloss.com:

Hugo Gloss – Faz algumas semanas que o “Big Brother Portugal” chegou ao fim. Como tem sido esses dias fora da casa? Desde então, você já conseguiu processar tudo o que aconteceu, ou mesmo rever algumas cenas do programa?

Ana Catharina – Eu revi só quando eu participava. Teve muita gente fazendo fofoca, falando “não sei quem falou de você”. Eu nunca vi, nunca quis pesquisar. Minha relação com as pessoas é o que elas foram comigo na minha frente. Em relação aos memes, eu vi todos, no Twitter. Muito engraçados. Vi o conteúdo que me interessou. Mas em relação a processar todas as informações, é dia por dia, porque é muita coisa.

HG – Tem algo que você gostaria de ter feito diferente? Se arrepende de algo que fez ou até de algo que não chegou a fazer?

AC – Dentro da minha perspectiva, eu acho que eu fiz tudo o que eu queria fazer. Não tem nada que eu me arrependa assim, sabe? Acho que eu realmente fui mesmo no “sentir”. Porque quando a gente fica enclausurado numa casa, a gente perde nossas referências. Amigas, amigos, família… Acho que a gente tem que seguir mesmo nosso coração, né? Nossa intuição, que eu acho que é o que nos guia numa situação dessa. Foi o que eu fiz.

Talvez [faltou] falar mais “Fora Bolsonaro” [risos]. Acho que eu reagi da forma como eu me senti, fui condizente com o que eu estava sentindo no momento. Não tem nada que eu me lembre que eu faria diferente, porque é muito difícil. Quando a gente tá lá dentro, naquele contexto, é muito difícil a gente ter alguma… bom, só estando lá dentro pra saber mesmo. Bem frase de reality show, né?

HG – Acho que muitos devem se perguntar: como você foi parar no Big Brother de Portugal? Você imaginava que entraria no programa europeu? Já tinha se inscrito para o BBB no Brasil? Tem interesse em participar de uma edição futura do BBB daqui? Participaria de “A Fazenda”, por exemplo ou de outro reality?

AC – Lembro de uma conversa com uma amiga, a gente falando sobre reality show, sobre Big Brother Brasil, aí a minha amiga falou: “Ah, por que você não se inscreve no BBB?”. Eu falei que “Não sei”, e aí essa ideia não foi pra frente. Isso foi uma conversa no ar.

Daí depois, aqui em Portugal, eu não estava planejando nada, entrar no Big Brother aqui. O que eu estava planejando era ver como funcionavam as televisões daqui em relação à ficção, telenovela, essas coisas. E aí, como eu queria continuar em Portugal, juntar dinheiro pra comprar meu terreno no campo, falei: Vou procurar trabalho no que eu sei fazer, que é atuar.

Aí fui procurar nos sites das TVs aqui, como era, se tinha cadastro dos artistas. E aí, entrei no site da TVI e estava rolando inscrição pro Big Brother. Falei: “Olha só, gente, que coisa louca! Vou me inscrever”. Me inscrevi no mesmo dia, preenchi o formulário, gravei o vídeo e mandei. Daí me chamaram – eu não estava nada na espera. Foi mesmo uma loucura. Portugal também é um país que eu sempre amei, mas quando eu decidi sair do Brasil, eu estava muito indecisa em relação ao país, mas eu falei: “Meu coração tá me dizendo que é Portugal”. A explicação mesmo é o sentir. Daí vim.

Sinceramente, se fosse saindo daqui, agora, amanhã, eu acho que não [iria pra outro reality]. Porque eu preciso respirar. Mas não sei, a gente nunca sabe o dia do amanhã. Nunca gosto de falar nunca. Não sei, porque o “Big Brother Brasil” também é uma outra escala, né? Em relação à profissão, enfim… Não tá nos meus planos.

“A Fazenda” eu confesso que eu não assisti. Eu não assistia, não sei como funciona a dinâmica. Se for numa fazenda mesmo, real, eu acho bem mais legal do que estar presa numa casa, né? Eu não sei o que as pessoas pensam… Por que as pessoas fazem isso, de barraco. Querem ver o planeta entrando na quinta vibração do universo. Numa época que é incerta pra todo mundo, ninguém sabe mais nada, do nada chega um vírus que muda nossa realidade. E as pessoas preocupadas com picuinha em reality show, eu não consigo entender. Tem quem faz e tem quem assista.

HG – Você chegou a ver ou acompanhar algo do BBB20?

AC – Eu não acompanhei o programa em si do “BBB 20”, mas eu acompanhei muito as notícias, e acompanhava muito a Manu Gavassi. Gosto muito dela! Ela é uma inspiração… É engraçado, quando você é fã de alguém, você tem uma referência – fã de uma atriz, cantora, vários universos – agora fã de reality show, é muito diferente isso, né?

Tem uma onda de pessoas mara que estão surgindo, do entretenimento, e a Manu Gavassi é uma inspiração pra mim mesmo! Eu acho ela uma artista completa, que eu me identifico muito. Também gosto de fazer muita coisa: fui DJ, instrutora de ioga, atriz, já dirigi, já escrevi roteiro, já escrevi livro, já fui assistente de direção, produção… Já circulei em muitas áreas e eu me reconheço muito nela. Nunca me reconheci tanto assim numa pessoa. Por isso que eu acompanhei ela, nesse sentido, a trajetória dela. Até hoje acompanho, acho que o que ela faz é incrível. É uma inspiração pra mim.

Ana Catharina confessou ser grande fã de Manu Gavassi, e que admirou sua trajetória como artista e também no “BBB 20”. (Foto: Reprodução/Instagram)

É interessante, tem um vídeo dela em que ela fala que quando você participa de um reality show, as pessoas têm uma percepção de você em vários ângulos, né? Ela consegue te ver em diferentes situações, uma percepção mais completa do ser humano, e a pessoa quando está num reality show, tem a chance de se mostrar em 360º. Então, me enxergo muito nesse vídeo dela, é engraçado você se identificar tanto assim.

HG – Vocês foram confinados no Big Brother em plena pandemia do novo coronavírus. Como foi deixar o mundo lá fora, e topar passar alguns meses longe de todos, sem notícias, dentro da casa, enquanto os países – especialmente na Europa, na época – viviam um cenário tão delicado? Vocês tinham receios quanto à doença no confinamento?

AC – Tem prós e contras. O pró é que a gente, provavelmente, estava em um dos lugares mais seguros, que era um estúdio de televisão. Onde tudo chega pra você desinfetado e você tá super protegido lá dentro, enfim, com todas essas medidas de seguranças. Você tá lá, você pode abraçar as pessoas… Tem várias vantagens de estar lá numa situação dessas. Mas tem outra questão, que é o mundo lá fora, a família. Eu tinha uma sensação ruim quando eu entrei, mas é isso. Nem tudo são flores.

HG – Na casa, infelizmente, vimos algumas cenas de machismo e preconceito contra as mulheres brasileiras. Em alguns desses momentos, esse comportamento era direcionado a você, também por conta de sua aproximação com Diogo. Numa das ocasiões você até deu uma resposta ótima, sobre poder “abrir as pernas quando quiser”. Lá dentro, você sentia que era discriminada por alguns participantes? Como foi sua percepção sobre isso, havia mesmo algum preconceito quanto à imagem das mulheres brasileiras?

AC – Eu, no meu dia a dia, nunca senti nenhum preconceito nem por parte dos participantes, nem da produção. Não senti. O que eu senti foi que a gente estava numa casa com muitas pessoas diferentes, culturas diferentes, com modos de pensar diferentes. Eu acho que o machismo tá entranhado na tradição mesmo, e na cultura. Já dizia o Criolo, ‘As pessoas já não são más, elas estão perdidas’. Eu senti muito isso na casa. Tinha muita gente ali que realmente estava perdido. Que estava reproduzindo comportamentos culturais, como se fossem cegos assim.

O que eu tento fazer sempre é mudar a mentalidade, fazer isso de uma forma que seja sem julgar também. É difícil não julgar quem julga, mudar a mentalidade, fazer as pessoas enxergarem a vida com mais amor. Fazer com as pessoas enxerguem a vida com mais igualdade. Acho que foi um desafio lá dentro da casa.

HG – O que passava na sua cabeça quando você resolveu se manifestar?

AC – No momento em que eu falei sobre “abrir as pernas” era sobre os produtores de conteúdo. Era sobre os participantes estarem falando de mim e eu não estar presente, ainda mais falando das minhas pernas. Eu estava pensando na hora: “Gente, não tem como, eu preciso falar isso, porque isso é um absurdo, falarem de mim e eu não estar presente”. Acho que, quanto ao nosso corpo, quem tem direito de fazer ou não fazer é a gente mesmo. Nós que temos o direito de fazer as escolhas que o nosso corpo quiser. Então, ali foi uma forma de exteriorizar o que eu penso sobre o corpo. Como ser livre. Nós como mulheres, principalmente, a gente tem o direito de decidir o que quer que seja com o nosso próprio corpo – e ninguém tem nada a ver com isso.

HG – Como você avalia o preconceito dos portugueses para com as mulheres brasileiras – fora do confinamento? Você já foi alvo?

AC – Não tenho como dizer que não existe, porque eu acho que isso é histórico. Tem muitos relatos do que acontece quando as mulheres vivem fora do país. Eu acho que sim, acontece. É inegável. Cada vez mais as mulheres brasileiras – mulheres, como um todo – têm que ter essa confiança em si, em poder falar, em como elas se sentem injustiçadas.

Portugal tem muitos aspectos maravilhosos, é um país realmente acolhedor, eu sinto isso. Mas eu acho que existem certas tradições aqui – até mesmo com relação ao veganismo, aos animais, touradas, consumo de carne – que eles são muito apegados. Mas eu acho que isso tá mudando. Em relação especificamente ao preconceito, sim, existe, não tem como dizer ao contrário. Mas acho que tá vindo uma consciência. Vejo mulheres mais confiantes e uma mudança nesse sentido, acho que já foi pior.

HG – Outro momento impactante foi quando você confrontou as regras impostas pelo próprio programa, batendo o pé para não votar em nenhuma mulher, visto que todos os homens estavam imunes. Como você chegou a essa decisão? Não bateu o nervosismo de sofrer alguma represália, ou mesmo de ser eliminada do reality, colocando tudo a perder? Quando o apresentador Cláudio Ramos rebateu a sua atitude, você imaginava que aquilo teria um resultado negativo? E de onde veio essa regra de imunizar todos os homens? Foi totalmente arbitrária mesmo?

AC – Eu acho que foi uma decisão óbvia, eu olhei pro meu lado e tinha um monte de homem na casa que, pela ordem natural do jogo, poderiam ser eliminados. Eu acho que se uma casa ficasse majoritariamente de mulheres, é porque é consequência do jogo. Eu achei essa regra sexista, achei sem noção nenhuma essa regra. Uma coisa é o jogo me levar a um ponto em que eu teria que indicar as mulheres pra isso – é a ordem natural do jogo. Outra coisa é uma regra, que eu tenho que votar em mulher. Isso não entra na minha cabeça.

Essa decisão veio do Big Brother, eles decidem essas regras, a gente assina o contrato dizendo que o Big Brother pode mudar as regras assim, assado. Mas foi sem explicações. Eles poderiam fazer uma regra qualquer, mas essa regra, especificamente, eu pensei: “Desculpa, mas eu acho que é um absurdo isso”. Ter uma regra que os homens estão imunes sem a menor explicação?! Isso não entrava na minha cabeça.

Ana Catharina chegou a afrontar a decisão do “Big Boss” e confrontou ao vivo o apresentador, Cláudio Ramos. (Foto: Reprodução/TVI)

Eu estava pronta pra assumir as consequências, minha mala já estava até lá fora, porque eu acho que eu estava indicada – sempre estava indicada. Eu falei: “Olha, então, eu saio”. Porque eu não vou concordar com isso! Meus princípios, meus valores, o que eu fui fazer lá e o que eu acho certo na vida são muito maiores do que um reality show. Aí, pronto. Falei sem dúvidas. Eu, na minha cabeça, achava que eu seria expulsa. Pensava que foi bom enquanto durou, mas eu de forma alguma vou concordar com isso.

HG – Alguns participantes também demonstraram um comportamento homofóbico, como quando Hélder foi punido por seu comentário contra Edmar, e quando Pedro Alves falou que não “tolera muito bem os homossexuais”. Nessa segunda ocasião, você reuniu todos na sala e falou sobre também ter se sentido ofendida, considerando-se parte da comunidade LGBTQ+. Como isso te afetou e como você encara os episódios?

AC – Pra mim, é muito delicada a situação. A vontade que a gente tem é falar: “Isso é um absurdo! Você não sabe o que você tá falando”. A vontade é de confrontar desse jeito. Eu acho que o mais desafiador, nesse sentido, de fazer com que as pessoas enxerguem o amor, é tentar não julgar os que julgam, e tentar fazer com que as pessoas ampliem um pouco essa visão do amor. Eu acho muito delicado…

O que eu tentei fazer foi mostrar o amor de todas as formas e fazer com que as pessoas conseguissem perceber que o amor não tem gênero, não tem idade, lugar. O amor é lindo, é mara. É muito difícil conseguir fazer isso. Claro, né, a gente se sente afetado, quando falam coisas absurdas assim, a gente se sente triste. Quando você vai contra o amor é uma forma de violência. E você tentar revidar isso, tentando mostrar que o amor é o amor, revidar com amor, eu acho que é o desafio.

HG – Como você analisa a homofobia em Portugal numa comparação com o que observamos aqui no Brasil?

AC – A homofobia é um problema universal, não de nação. Um problema mental, da cabeça do ser humano. Eu consigo perceber isso não só em Portugal. A homofobia é uma luta que a gente tem que batalhar gerações e gerações pra conseguir mudar o pensamento das pessoas. Talvez Portugal tenha essa coisa da tradição do casamento heterossexual muito enraizada. Grande parte [das pessoas] tem essa questão enraizada. No Brasil, eu acho que também tem, mas acho que aqui talvez pese um pouco mais essa questão, dessa tradição, do arquétipo do casal hétero. Mas enfim, eu acho que tudo aí no Brasil também tá difícil.

HG – Passados todos esses episódios de preconceito, machismo e homofobia, você acha que as decisões tomadas pela produção do Big Brother foram justas? O que você pensa das punições adotadas, elas foram adequadas se comparadas ao impacto dos comportamentos demonstrados? Ou os participantes envolvidos poderiam ter sido desclassificados?

AC – O Big Brother sempre deu oportunidades iguais – do ponto de vista de quem estava lá dentro, não tenho a noção do conjunto da obra. Eu acho que o programa deu oportunidade pra todos lá dentro da mesma forma. Oportunidade de reparar os próprios erros, sei lá, acho que seja por esse caminho. Ainda acredito na mudança das pessoas.

Teve uma questão que eu não concordei, que foi a volta dos participantes que tinham sido eliminados. Eu não concordei com essa regra, eu achei desnecessário, principalmente por terem saído pelo que saíram. O Hélder e o Daniel. Eu achei incoerente com as votações. Realmente, no meu ponto de vista, se fosse eu no lugar deles [da produção], não teria levado essas pessoas de volta pra casa.

Ana Catharina diz não ter gostado do retorno de Hélder e Daniel ao programa. (Foto: Reprodução/TVI)

HG – No programa, você levantou todas essas bandeiras e causas e até mesmo se manifestou contra o presidente Jair Bolsonaro. Acha que estar numa edição do reality de outro país te deu mais liberdade para se posicionar? O que você pensa sobre o cenário político do Brasil, como a atuação do governo em toda essa situação da pandemia?

AC – Eu tive total liberdade pra fazer e falar o que eu queria. A produção deixava todo mundo à vontade. Nunca fui interrompida em nada do que eu falei. O que eu achei interessante era que ninguém gostava do Bolsonaro. Aqui em Portugal eu não achei nenhuma pessoa que seja a favor do presidente, o que eu achei o máximo, no Brasil é difícil. Mas eu sempre tive essa abertura, de falar meu posicionamento político.

O Bolsonaro é um irresponsável, né? [Risos] Às vezes eu fico pensando: o que eu poderia falar do Bolsonaro? Eu realmente não consigo achar nenhum raciocínio lógico que consiga decifrar as atitudes desse homem, eu não consigo. Eu realmente não consigo entender ele, o Trump – pra mim, eles estão sempre juntos, no mesmo saco. Não consigo palavras pra explicar as atitudes dele. Não consigo achar lógica no governo dele. No início, a gente até conseguia enumerar as coisas horríveis que ele fazia, agora, acho que não tem a mínima explicação. Vamos ver se esses R$ 89 mil aparecem, né? [Risos]

HG – Durante o programa, você também passou por um momento muito difícil, quando foi informada que seu pai havia falecido. Primeiramente, queria deixar meus sentimentos a você e a toda sua família. Como foi receber uma notícia dessas ainda durante a competição? Você pensou em abandonar tudo, apesar do desejo de sua família que você continuasse? Agora que o programa chegou ao fim, você e sua família conseguiram conversar melhor, enfrentar juntos essa perda dolorosa? Acha que a sua família fez bem de só te avisar depois de algumas semanas?

AC – Segundo a minha família, eles não iriam me avisar enquanto eu estivesse lá dentro. Minha família não queria que eu soubesse. Mas eu escrevi no meu contrato que eu queria saber – era a única coisa que eu queria saber de informação exterior, um falecimento na família. Quando eu soube, eu entendi dos dois lados: quem queria me contar e quem não queria me contar.

É muito difícil isso, porque você tá num estúdio de televisão, né? E o luto é um momento muito particular. É muito íntimo. Estar exposta daquele jeito, vivendo isso, foi surreal, é o único adjetivo com que eu consigo definir isso. Não sei, eu acho que até hoje eu não consegui processar tudo. É muita coisa pra processar, parar e viver tudo.

Ana Catharina teve muita dificuldade em lidar com a morte do pai em frente às câmeras. (Fotos: Reprodução/TVI)

Mas eu não pensei abandonar, primeiro porque minha vó me disse pra não abandonar – e eu amo a minha vó, a mãe do meu pai, e o que ela fala. Depois que eu não podia fazer mais nada. Eu estava completamente impotente e meu pai também não podia ter cerimônia, por causa da Covid-19. Então, eu não podia fazer nada. Não podia nem viajar pro Brasil, não podia fazer absolutamente nada. Não pensei em sair porque a minha saída não ia mudar nada, na realidade. Não ia poder fazer nada. Se eu fosse pro Brasil, ainda ia poder colocar em risco a vida da minha avó, porque eu não ia poder abraçar, não ia poder encontrar. Me vi numa situação impotente. Mas foi [difícil] e tá sendo ainda, não consegui organizar os sentimentos nas prateleiras.

Eu ainda quero parar, eu comigo mesma, na natureza, e fazer meu ritual, ainda quero ter esse momento, porque eu sou muito ligada a essas energias do universo. Sei que agora meu pai virou o universo todo. Onde quer que ele esteja, ele tá aqui.

HG – Você nasceu e cresceu no Brasil até os 12 anos, e depois morou na Irlanda, Índia e na Tailândia, até ficar em Portugal. Pretende seguir em Lisboa? Moraria de novo no Brasil? Tem família aqui? Qual desses países você gostou mais?

AC – Sou do Rio, morei lá até os 16 anos, daí comecei a me mudar. Fui pra Petrópolis, depois voltei pro Rio pra estudar Teatro, quando comecei a morar sozinha. Fui pra São Paulo, fiz faculdade de Cinema. Morei na Irlanda, voltei pro Rio – fiz cinco faculdades diferentes, mas não terminei nenhuma. Passei um ano e dois meses viajando, nômade, e minha base era Portugal. Morei na Índia, Tailândia, Suíça, Londres, viajei muito.

Agora tô morando em Lisboa, mas meu objetivo é o mato. Eu quero muito poder estar na floresta, trabalhando pelo YouTube, esse é o sonho. Meu super objetivo é esse. Até tudo se concretizar, preciso traçar um caminho, né? Mas a minha ideia é continuar em Portugal. Nunca sei dizer se eu vou voltar pro Brasil ou não pra morar, a princípio eu quero morar aqui, no interior. Acho que se fosse pra escolher um lugar no Brasil, eu moraria na Bahia. Dos países que eu mais gostei, os meus preferidos são: a Tailândia, o Brasil e Portugal.

HG – Aliás, como fica seu envolvimento com Diogo após essa temporada? Muitos especularam sobre uma relação entre vocês dentro da casa. Vocês ainda vão se conhecer melhor longe das câmeras e do confinamento? Conta tudo!

AC – Olha, eu gosto muito do Diogo, ele gosta muito de mim, eu tenho certeza. A gente tá junto. Claro, a pessoa não muda do que era dentro da casa pra fora, a pessoa é a pessoa, só que em contextos diferentes. Na casa era uma outra situação. Agora a gente tá se conhecendo aqui fora, a gente já foi de férias juntos, ele é uma pessoa incrível. Gosto muito do Diogo. A gente tá seguindo, um dia após o outro. Também não gosto de criar expectativa.

Muito mais que amizade, né, nós estamos beijando na boca! [Risos] Amizade também, claro. Hoje, por acaso, ele não está aqui. Mas a gente alugou um carro que tem uma tenda em cima, tipo um trailer, e fomos viajar pela Costa Vicentina, chegamos ontem de viagem, hoje fomos juntos no programa, e hoje por acaso a gente não tá junto. Mas a gente tem ficado junto sempre.

https://twitter.com/FerreiraSofs/status/1297840173129109504?s=20

HG – Você imaginava que o reality teria uma repercussão tão grande? Como foi sua reação ao descobrir o alcance que sua edição do programa teve, repercutindo, inclusive, aqui no Brasil? O que de mais legal, o reality trouxe pra você?

AC – Eu não imaginava e quando eu saí do programa, os assistentes ficavam: “Catharina, você saiu no Hugo Gloss!”. [Risos] Eu falei “Como assim, gente?”, não sabia de nada. Eu quero agradecer muito a vocês por causa disso. Muito obrigado mesmo, pela plataforma no Brasil. Eu não imaginava que seria essa repercussão toda. Eu, no início do programa, achava que ninguém estava me vendo. Eu contava nos dedos, essa minha amiga, eu sei que ela tá me vendo porque ela tá em casa, assistindo reality. Mas eu não tinha noção, porque é muito difícil você estar lá dentro sem notícia do exterior. Então, você acha que você realmente está lá isolado. Apesar de você ter ciência de que isso não é verdade, a sensação que você tem é que você realmente tá isolado. Você só consegue perceber isso quando você sai. Consegue mensurar o que você estava vivendo lá dentro e eu não tinha noção.

O mais legal foram as mensagens que eu recebi, foram milhares de mensagens das pessoas falando que melhoraram ansiedade, tão meditando, tão parando de comer carne, que viraram veganas. Isso pra mim é missão de vida, eu olho e penso que valeu a pena. Mensagens das mulheres. Criaram um Instagram (@brasileirasnaosecalam) depois da minha situação no programa, um dos ecos do que aconteceu no programa. Isso me deixa feliz.

HG – Você foi uma das participantes mais marcantes da temporada, e muito querida! Você voltou de quantas berlindas mesmo?! Você ficou decepcionada na grande final quando foi anunciada como o quinto lugar? O que acha que pesou contra você?

AC – Olha foram muitos paredões, talvez não tenha ido em três ou quatro. Nas últimas semanas eu fui menos, mas normalmente, no início do programa, eu sempre era indicada.

Sobre a final, eu realmente estava sem expectativa – só que não. Eu achava que fosse ficar mais pra cima, não em quinto lugar. Mas depois que eu saí eu fiquei, olha, tanto faz, se é quinto, quarto, terceiro, primeiro. O importante é que as pessoas ouviram o que eu tinha pra falar e é isso que importa. Mas quinto lugar é ruim, né? Não é bom não. [Risos]. O que eu posso fazer?

Não tenho ideia do que pesou, não sei mesmo. Não sei. Não sei… Muitas pessoas comentam, Catharina, quinto lugar?! O que é isso? Não era pra você ficar em quinto. E o que eu falo pras pessoas é que eu não sei, eu fiquei em quinto, foi votação. Lá dentro, a gente não sabe de nada.

HG – Quais seus próximos passos? Quais os projetos… e quais os seus sonhos?

AC – Eu quero muito conseguir formatar meu canal direitinho no YouTube, com um cenário mara, fazer minhas receitas veganas. Quero muito voltar a dar aula de yoga online. A televisão, claro, se me chamar pra fazer alguma coisa, fazer novela, se for um período curto, eu vou. Porque eu quero juntar dinheiro pra comprar meu mato, né? Esse era o meu plano inicial até pra eu entrar no site em que eu vi o Big Brother. Preciso juntar o dinheiro pra comprar meu terreno, a princípio aqui em Portugal. Eu gosto muito do Alentejo.

Gosto muito daqui. Sinto mais segura no interior, se eu for morar sozinha. Meu super objetivo é morar no mato e ter minha independência, sobreviver dos meus conteúdos, dos meus próprios produtos, e é isso. Mas enquanto não chega esse ideal perfeito, eu vou seguindo o fluxo. Claro que sempre no caminho da verdade, da coerência do que eu acredito – em relação à publicidade, às marcas, se não tem exploração animal, exploração de pessoas. Seguindo esses princípios, o que me leva no caminho da floresta.

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