Caso Mariana Ferrer: Fernanda Gentil “quebra protocolo” na Globo, desabafa e critica ideia de “estupro culposo”: “A gente não pode silenciar vítimas e aliviar culpados” — assista!

Após os últimos desdobramentos do caso Mariana Ferrer e uma nova onda de protestos pela web, Fernanda Gentil usou seu espaço no “Encontro” para desabafar sobre o assunto nesta quarta-feira (4). A apresentadora foi elogiada por ter se manifestado a favor da influencer, criticado a forma como ela foi tratada durante uma audiência na Justiça, e ter deixado seu ensejo contra a cultura do estupro.

O “Encontro” repercutiu o vídeo revoltante divulgado ontem (3) pelo “The Intercept Brasil”, que mostra um trecho do julgamento de André Camargo Aranha, absolvido das acusações de estupro de Mariana após a Justiça ter considerado que “não houve intenção de estuprá-la”. As imagens – em que a jovem é humilhada pelo advogado do empresário, Cláudio Gastão da Rosa Filho – e a decisão da Justiça fizeram com que milhares de pessoas debatessem nas redes sociais que não existe um “estupro culposo”, ou seja, que não existe um estupro em que não há a intenção de cometer o ato.

Durante audiência, Mariana Ferrer foi humilhada e menosprezada pelo advogado de André Aranha. (Foto: Reprodução/ND)

Ao comentar sobre a questão no “Encontro”, Fernanda pediu desculpas por quebrar o protocolo, mas sentiu que não poderia se calar. “Eu, como mulher, falando em uma TV aberta que tem um poder e um alcance incalculáveis. Isso significa, por exemplo, que agora, nesse momento, estão me ouvindo centenas de vítimas de abuso, de estupro, milhares de parentes de vítimas, e também muitos abusadores, né”, iniciou.

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“Então, eu me sinto na obrigação de reforçar para você que está vendo a gente agora, que não existe estupro culposo, ou seja, um estupro sem intenção. Não existe também estupro leve, meio abuso sexual e nem sem querer. Quem faz, sempre faz com a intenção de fazer, então a gente não pode ignorar esse crime, silenciar as vítimas e muito menos aliviar os culpados”, declarou a apresentadora, criticando a ideia que culminou na absolvição de Aranha.

Fernanda Gentil repudiou o ideal de “estupro culposo” e conscientizou sobre o caso. (Foto: Reprodução/TV Globo)

Fernanda seguiu defendendo que todos têm de entender e debater essa questão. “É muito importante, né, a gente falar sobre isso e da maneira como tem sido falado. Quando eu digo a gente, é toda a gente mesmo, tá, homens e mulheres. Nós mulheres, porque emprestar a nossa voz para essa causa nos faz mulheres muito mais fortes, sem dúvida nenhuma”, continuou ela, que também pediu aos homens que se posicionassem, evocando as presenças femininas na vida de cada um.

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“E o homem, porque ele como marido de uma mulher, ou pai de uma menina, ou irmão de uma mulher, filho de mãe, tio de uma sobrinha, quando abraça essa causa, ele abraça todas essas mulheres, né, Curvello, que ele ama e com quem ele convive, e isso é muito admirável em um homem. Afinal de contas, quem levanta essa bandeira, só para resumir, seja homem, mulher, bicho ou coisa, está gritando a todos os pulmões, para todo mundo ouvir, que entende que ‘não é não'”, concluiu Gentil.

André Curvello complementou a fala de Fernanda Gentil, incentivando que os homens debatessem a questão e repreendessem posturas machistas. (Foto: Reprodução/TV Globo)

Na sequência, André Curvello complementou a fala abordando comportamentos machistas cotidianos que também causam essa cultura do estupro. “Só deixar um alerta para os homens que estão nos assistindo. Isso tudo começa na cultura machista. E não é ‘mimimi’, não é nada disso. É quando você, num grupo de WhatsApp, compartilha uma nude, uma foto de alguém, sem saber se foi permitido ou não. Então, a mentalidade masculina é que tem que mudar. Pense nisso, você, seus amigos, repreenda! Enquanto a gente não fizer isso, a coisa não vai andar direito”, disse ele.

Assista aos vídeos aqui:

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A atitude de Fernanda Gentil foi amplamente elogiada pelas redes sociais, com muitos comentários avaliando positivamente a postura da jornalista. “Fernanda Gentil deu uma aula agora! Obrigada pela sensatez e explicação sensacional em torno de como surgiu o termo estupro culposo e por novamente estampar a foto desses idiotas em rede nacional”, escreveu uma internauta. Outra usuária do Twitter comentou: “Foi de uma coragem exemplar”. Confira as reações abaixo:

https://twitter.com/nataliazcarv/status/1323992879396782080?s=20

https://twitter.com/httpgivs/status/1324005991864848387?s=20

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https://twitter.com/Juju1_ComHora/status/1324025707954130947?s=20

Cenas lamentáveis

Ainda em setembro, o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) voltou atrás e declarou improcedente o caso de Mariana Ferrer, por falta de provas, a denúncia contra André de Camargo Aranha, acusado de estuprar a blogueira. Vale lembrar, no entanto, que exames realizados por autoridades comprovaram que houve, sim, conjunção carnal e ruptura do hímen da vítima, assim como o sêmen do homem de 43 anos foi encontrado na calcinha da influencer.

O promotor Thiago Carriço de Oliveira, por sua vez, aceitou a argumentação de que o acusado cometeu o que foi denominado como “estupro culposo”, que seria um ‘estupro em que não há a intenção de estuprar’. A infração não tem nenhum precedente. Trata-se de uma sentença inédita na história desse país, e de um crime jamais previsto na lei. Como ninguém pode ser condenado por uma infração que não é definida judicialmente, o empresário foi absolvido.

André Camargo Aranha e o juiz Rudson Marcos. (Fotos: Reprodução)

O site The Intercept Brasil teve acesso ao vídeo da audiência em questão, realizada remotamente em julho. Na sessão, o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, de André de Camargo, chegou a mostrar cópias de fotos sensuais produzidas pela jovem enquanto modelo profissional. O gesto foi interpretado por internautas como uma tentativa de se escorar no datado e misógino argumento de que a mulher, ao usar roupas curtas, pede para ser violada ou estuprada.

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A gravação é um verdadeiro show de falta de profissionalismo, empatia e covardia. Cláudio Gastão utiliza de argumentos baixos, coloca em xeque o caráter de Mariana baseado em poses fotográficas e roupas usadas por ela. Os diálogos menosprezando a jovem são inacreditáveis. “Mariana, vamos ser sinceros, fala a verdade. Tu trabalhava no café, perdeu o emprego, está com o aluguel atrasado há 7 meses, era uma desconhecida. Isso é seu ganha pão, né Mariana? A verdade é essa. É seu ganha pão, a desgraça dos outros. Manipular essa história de ser virgem…”, disse.

Em um dos momentos mais comoventes, Ferrer fica aos prantos e implora por respeito. “Eu gostaria de respeito, doutor, excelentíssimo, eu tô implorando por respeito, no mínimo! Nem os acusados são tratados da forma que estou sendo tratada, pelo amor de Deus, gente! Nem os acusados de assassinato são tratados como estou sendo tratada! Eu sou uma pessoa ilibada, nunca cometi crime contra ninguém”, falou.

https://www.youtube.com/watch?v=X–JAQShBBw&feature=emb_logo

Juiz é denunciado ao CNJ

Após o Intercept Brasil divulgar vídeos revoltantes da audiência, o juiz responsável pelo caso, Rudson Marcos, foi denunciado na Corregedoria Nacional de Justiça nesta terça-feira (3). Além disso, o ministro do STF, Gilmar Mendes, cobrou explicações sobre as cenas “estarrecedoras” que foram vistas hoje.

Integrante do Conselho Nacional de Justiça, o conselheiro Henrique Ávila acionou a CNJ com uma reclamação oficial contra o juiz do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Rudson Marcos. O magistrado tomou como base as gravações que vieram à tona na matéria do Intercept Brasil. “As chocantes imagens do vídeo mostram o que equivale a uma sessão de tortura psicológica no curso de uma solenidade processual. A vítima, em seu depoimento, é atacada verbalmente por Cláudio Gastão da Rosa Filho, advogado do réu”, escreveu no documento.

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Henrique fez questão de ressaltar as atrocidades que foram feitas contra Mariana no julgamento, que foi realizado por chamada de vídeo. “Fotos da vítima são classificadas como ‘ginecológicas’; seu choro, como ‘dissimulado, falso’; sua exasperação, como ‘lagrima de crocodilo’. Afirma o advogado que não deseja ter uma filha ou que seu filho se relacione com alguém do ‘nível’ da vítima e que o ‘ganha-pão’ da vítima é a ‘desgraça dos outros’”, destacou.

Para Henrique Ávila, o juiz Rudson Marcos não teve uma postura profissional para cessar os ataques e humilhações que Ferrer estava sofrendo. “O magistrado, ao não intervir, aquiesce com a violência cometida contra quem já teria sofrido repugnante abuso sexual. A vítima, ao clamar pela intervenção do magistrado, afirma, com razão, que o tratamento a ela oferecido não é digno nem aos acusados de crimes hediondos”, lamentou. Henrique finalizou o documento pedindo “a imediata e completa apuração da conduta do juiz”.

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Mas não para por aí… A repercussão do vídeo do julgamento chegou ao conhecimento de Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal. “As cenas da audiência de Mariana Ferrer são estarrecedoras. O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação. Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram”, compartilhou em sua conta no Twitter.

Estupro de vulnerável

Em julho de 2019, o Ministério Público de Santa Catarina seguiu o mesmo entendimento da polícia civil no inquérito e defendeu que Mariana não tinha discernimento para consentir com a relação sexual – que teria ocorrido em uma área privada de uma festa, em 15 de dezembro de 2018, no beach club Café de La Musique, em Jurerê Internacional, em Florianópolis.

André Camargo de Aranha, então, foi acusado pelo crime de estupro de vulnerável, que prevê situações de “conjunção carnal” ou “prática de outro ato libidinoso” com menor de 14 anos ou “com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”.

André de Camargo Aranha foi indiciado por “estupro de vulnerável” em 2019, no caso de Mariana Ferrer. (Foto: Reprodução/Instagram/Twitter)

Em sua versão, a jovem aponta que teria sido dopada e, por isso, não se lembrava do que havia acontecido e, consequentemente, não poderia ter consentido com a relação. Áudios gravados por ela no celular naquele momento também foram juntados ao inquérito policial. Neles, ela pedia, com a voz embaraçada, ajuda a pelo menos três amigos.

Saiba todos os detalhes do caso, da sua repercussão perante às esferas da Justiça, e da conclusão do processo, clicando aqui.