Martinho da Vila é constrangido no “Roda Viva”, após associação do samba à milícia; Filho do artista critica pergunta, e Vera Magalhães se manifesta

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O programa “Roda Viva” desta segunda-feira (16) foi marcado por um climão após uma pergunta incisiva da jornalista Vera Magalhães. Durante o papo, ela questionou o convidado, Martinho da Vila, sobre uma suposta ligação entre as escolas de samba com as milícias cariocas. O sambista, por sua vez, ficou constrangido com o questionamento. A cena viralizou na web e gerou uma série de críticas.

A história teve início quando Vera relacionou o samba com a criminalidade, pedindo a opinião de Martinho. “Eu queria que esse Martinho político, que faz essa análise política, falasse um pouquinho desse momento em que as escolas de samba – que sempre tiveram uma ligação com o jogo do bicho, portanto, com a contravenção – agora estão permeadas, de alguma maneira, pelas milícias. Como fazer com que o crime não macule as escolas de samba? Como evitar esse contágio das escolas de samba pelo crime organizado?”, indagou a jornalista.

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Martinho da Vila ficou sem graça com a pergunta, mas negou a relação sugerida pela jornalista. (Foto: Reprodução/TV Cultura)

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O cantor ficou sem graça e, a princípio, concordou que “o jogo do bicho foi inventado em Vila Isabel” muitos anos atrás. No entanto, negou a alegação da apresentadora. “Mas… eu não tenho notícia da milícia dirigindo uma escola de samba, não. Miliciano dirigindo escola de samba. Não tenho essa notícia, não. Na Vila Isabel, por exemplo, não tem esse problema”, disse ele. Foi quando Vera interrompeu e afirmou: “O próprio Adriano da Nóbrega, miliciano principal do ‘escritório do crime’, teve essa ligação com as escolas de samba e essa tentativa de se ligar com elas”. Martinho enfatizou que seria só uma “tentativa” e seguiu desconfortável com o tópico.

Assista ao trecho na íntegra abaixo:

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Vera Magalhães e filho do sambista debatem na web

Em um tuíte publicado e já deletado, Magalhães não voltou atrás em seu questionamento. “Martinho da Vila desconversou quando questionei sobre a infiltração mais recente das escolas de samba do Rio pelas milícias. Isso é um tema tabu que os sambistas têm de enfrentar”, escreveu ela.

Na sequência, o filho de Martinho, Tunico da Vila, se pronunciou sobre o assunto e saiu em defesa de seu pai. “Ele não desconversou… Ele só não quis conversar porque realmente é um assunto desnecessário e desrespeitoso com ele… Só isso… Nada demais”, respondeu. Mas Vera insistiu em seu ponto: “Não vejo desrespeito algum. Nem todas as perguntas numa entrevista são agradáveis, infelizmente. De resto, respeito sua opinião. Um abraço”.

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Tunico continuou falando sobre o episódio, afirmando que esse tipo de pergunta não deveria ser feita ao artista. “Acho que a pergunta caberia a um bicheiro ou a um miliciano e não a um artista. Foi uma pergunta certa para a pessoa errada… É mais fácil perguntar a um artista do que quem tem o braço armado, né?”, escreveu. O filho de Martinho também pediu por respeito ao ícone do samba: “Ele simplesmente semeia no Brasil nossa Africanidade… Ele não semeia ódio, milícias e assassinatos como de Marielle… Ele é o MARTINHO DA VILA… OUVIU BEM? RESPEITE A HISTÓRIA DELE… RESPEITE“.

Web faz críticas à entrevista

A participação de Martinho da Vila no programa deu o que falar, e o assunto foi parar entre os mais comentados das redes sociais. Foram várias as personalidades que se chocaram com a pergunta ao sambista. “Quem tem que enfrentar [a milícia] é o estado, não? Martinho da Vila é um dos maiores nomes da música brasileira, isso ocupa muito espaço, sabia? É um trabalho árduo e muito sério. Mas é ele que tem que enfrentar a milícia, que ninguém enfrenta?”, questionou Zélia Duncan. “Quem tem que responder sobre milícia é a corja que está no poder atualmente no Brasil. Tanta coisa linda pra perguntar para um gênio como o Martinho da Vila. Tô passada”, disse Teresa Cristina.

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Houve ainda os que enxergaram um cunho racista na pergunta, sempre defendendo que ela deveria ser feita a pessoas próximas do governo federal. “A Vera Magalhães teve a oportunidade de perguntar sobre milícias para Fernando Bezerra, Sérgio Moro, Witzel, Gustavo Bebianno, todos que tem relação com o presidente aliado das milícias. Mas decidiu esperar o Martinho da Vila, um artista negro, para perguntar. Racismo ou não é?”, escreveu a vereadora Luana Alves.

Já alguns recordaram uma situação parecida vivida por Emicida, quando Vera também o questionou e relacionou o rap com a criminalidade. “Vera Magalhães com Emicida no Roda Viva: ‘o Rap não é condescendente com o crime organizado?’. Vera Magalhães com Martinho da Vila no Roda Viva: ‘e a relação entre as Escolas de Samba e a Milícia?’. Como a gente chama a tentativa reiterada de associar a cultura negra ao crime?”, postou o historiador Henrique Oliveira. “Hip-hop e criminalidade para o Emicida. Escola de samba e milícia para o Martinho da Vila. Tem gente que não pode ver um músico negro bem sucedido para associar ele à criminalidade”, comentou outro perfil.

https://twitter.com/henrisilvaolive/status/1427618029811142665?s=20

Por outro lado, houve os que ficaram ao lado de Vera Magalhães e defenderam a posição da apresentadora. “Faz parte do jornalismo fazer perguntas desconfortáveis. Mesmo que o entrevistado seja alguém importante para a história, para a cultura ou até para você. Vera faz isso no Roda Viva. E, ao fazê-lo, serve ao jornalismo. Você pode discordar, claro, mas esse é o nosso papel, nosso dever”, opinou Natuza Nery. “Democracia pressupõe que se possa perguntar qualquer coisa a qualquer pessoa, com educação e franqueza, principalmente se estiver na arena pública. Que não haja pergunta proibida por inconveniência. Responde quem quiser, como quiser”, disse Malu Gaspar.

Veja mais reações abaixo:

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Vera Magalhães se manifesta sobre o caso

Através da assessoria da TV Cultura, Vera Magalhães alegou que Martinho não foi desrespeitado durante o programa. “A pergunta foi feita de maneira geral sobre o que ele pensava a respeito da infiltração nas milícias nas escolas de samba, tema de extrema relevância no debate público, no qual todos os artistas estão inseridos. Não houve nenhuma imputação desrespeitosa”, disse a jornalista.

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Vera Magalhães manteve seu posicionamento sobre a entrevista com Martinho. (Foto: Reprodução/TV Cultura)

Ela também não recuou ao dizer que a função do jornalismo seria questionar tais pontos. “Ademais, essa foi uma pergunta num programa que abordou música, literatura, política, questões de gênero, educação, pauta racial e muitos outros assuntos. Não vou, justamente em respeito ao Martinho e à rica conversa que tivemos, reduzir o Roda Viva de Martinho a uma pergunta com a qual alguns não concordaram”, concluiu.