Funcionários do “The Ellen DeGeneres Show” fazem relatos chocantes sobre racismo, intolerância e toxicidade no ambiente de trabalho: “Definitivamente não praticam o que pregam”

Após ser acusada, em maio, de ter humilhado um ex-segurança, Ellen DeGeneres se envolveu em uma nova polêmica. Na noite dessa quinta-feira (16), o “Buzzfeed News” publicou um artigo em que um atual e dez antigos funcionários fizeram um relato chocante para denunciar o ambiente de trabalho tóxico do “The Ellen DeGeneres Show”.

Os ex-trabalhadores entrevistados foram demitidos após tirarem licenças médicas ou dias de luto para ir a funerais de família. Uma funcionária ainda decidiu sair do emprego após levar uma bronca por reclamar sobre racismo nos bastidores. Para o ‘Buzzfeed’, outros ainda disseram que foram instruídos por seus chefes diretos para não falar com a apresentadora se a vissem pela empresa.

“Aquela m*rda de ‘seja gentil’ só acontece quando as câmeras estão ligadas. É tudo pelo programa. Eu sei que eles dão dinheiro para ajudar as pessoas, mas é só pelo espetáculo”, acusou um dos entrevistados. Todos preferiram se manter anônimos com medo da represália que poderiam sofrer do premiado talk-show e de outros na indústria do entretenimento.

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A maioria dos ex-funcionários culpou os produtores-executivos do programa e outros gerentes seniores pela toxicidade do dia a dia, mas um deles chegou a dizer que a falta de controle de Ellen dá espaço para que isso aconteça. “Se ela quer ter seu próprio show e ter o nome dela no título, ela precisa se envolver mais com o que está acontecendo. Eu acho que os produtores executivos que a cercam devem dizer: ‘As coisas estão ótimas, todo mundo está feliz’, e ela apenas acredita nisso, mas é responsabilidade dela ir além disso'”, declarou.

De acordo com um dos funcionários, Ellen deveria se envolver mais nos bastidores do programa (Foto: Reprodução/Ellentube)

Racismo

Entre os funcionários, está uma mulher negra que relatou ter sofrido comentários e ações racistas e ‘microagressões’ durante o ano e meio que passou trabalhando no programa. Ela disse que, quando foi contratada, um produtor sênior disse a ela e a outro funcionário negro: ‘Uau, vocês dois têm dreads, eu espero que a gente não os confunda’. Em outro momento, durante uma festa do trabalho, um dos principais roteiristas do talk-show teria dito a ela: ‘Sinto muito, eu apenas sei os nomes das pessoas brancas que trabalham aqui’, e outros membros da equipe ‘riram sem graça’, ao invés de defendê-la.

De acordo com a mulher, quando ela trouxe à tona, os problemas de raça e representação no programa e pediu aos produtores para não usarem termos ofensivos como ‘espírito animal’ nos quadros, os colegas dela a chamaram de ‘polícia do politicamente correto’. O mesmo aconteceu quando ela começou a falar sobre discriminação, e todos os colegas se distanciaram.

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“Sempre que eu trazia à tona um problema para o meu chefe branco, ele falava sobre alguma história aleatória de um amigo negro que ele tinha e como eles conseguiram ‘superar’ as coisas. Ele usava esse amigo negro como um modo de dizer ‘eu entendo sua luta’, mas era tudo uma m*rda de performance”, disparou ao ‘Buzzfeed News’.

As coisas pioraram depois de um ano de trabalho, quando ela pediu um aumento após ficar sabendo que um contratado recente ganhava o dobro que ela pelo mesmo trabalho, mesmo que ela tivesse experiência na indústria televisiva há uma década. A gerente teria dito que ‘eles iam ver o que poderiam fazer’, mas meses se passaram e nada aconteceu, segundo a funcionária.

A mulher relatou casos de racismo nos bastidores do programa (Foto: Reprodução/Youtube)

Um tempo depois, ela contou que foi chamada para uma reunião com o produtor executivo Ed Glavin. Lá, ela foi repreendida por suas objeções ao termo ‘espírito animal’, por pedir um salário mais alto, e por sugerir que os funcionários do programa recebessem um treinamento de diversidade e inclusão. “Ele disse que eu estava andando por aí parecendo ressentida e raivosa”, recordou.

Após a reunião, ela foi embora do trabalho e nunca mais voltou ao ‘The Ellen DeGeneres Show’. Ela disse que não tinha planos de voltar a trabalhar na indústria do entretenimento novamente já que, por anos, ela sentiu um “medo de se posicionar”, mas agora decidiu se abrir e compartilhar sua experiência devido às recentes conversas sobre racismo em Hollywood e outros ambientes de trabalho.

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“Eu sinto que não estou sozinha nessa. Todos nós sentimos isso. Nós nos sentimos desse jeito, mas eu tenho muito medo de dizer algo porque todo mundo sabe o que acontece quando você diz algo como uma pessoa negra. Você entra para a lista negra”, apontou.

Recentemente, em meio aos protestos de ‘Black Lives Matter’ ao redor dos Estados Unidos, ela disse que sua antiga gerente entrou em contato para se desculpar por não ser uma aliada melhor, mas já era tarde demais. “Eu me sinto brava pelo modo como eu fui tratada, e eu sempre vou me posicionar pelas pessoas negras, indígenas, latinas e asiáticas, independente de quem esteja por perto. Eu não posso não falar nada. Eu não vou parar de falar”, garantiu.

Licença médica

Outros funcionários foram obrigados a se despedir do ‘The Ellen DeGeneres Show’ após terem problemas pessoais. Um deles contou à publicação que, depois de quase um ano de trabalho, precisou tirar uma licença médica de um mês para se internar em uma clínica de saúde mental após uma tentativa de suicídio. Entretanto, na semana que voltou ao escritório, soube que havia sido demitido.

“Você pensaria que se alguém acabou de tentar suicídio você não quer acrescentar mais estresse em suas vidas”, refletiu o funcionário, cuja história foi corroborada por outros quatro membros da equipe consultados e registros médicos. “Alguns dos produtores falam abertamente em público sobre vício e conscientização de saúde mental, mas eles são a razão pela qual há um estigma. Eles definitivamente não praticam o que pregam com o mantra ‘seja gentil'”, declarou sobre o lema que move o talk-show.

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Assim como ele, outro funcionário foi demitido depois de um ano inesperadamente difícil no qual ele precisou de um intervalo no trabalho em três ocasiões: uma licença médica de três semanas após um acidente de carro, trabalho remoto por dois dias para ir a um funeral de um membro familiar e três dias de folga para viajar para o funeral de outro membro familiar. Ele disse que cada pedido foi uma batalha com os supervisores e o RH.

“Essa é a definição de ambiente de trabalho tóxico, quando eles fazem você se sentir que está ficando louco e então você percebe, ‘não, o que eu estava sentindo era certo’. Tudo levou a isso”, apontou ele. De acordo com o ‘Buzzfeed News’, a história foi corroborada por outros cinco funcionários e registros médicos.

Outros funcionários chegaram a ser demitidos por problemas pessoais (Foto: Reprodução/Youtube)

Um terceiro funcionário disse que recebeu um alerta após criar uma campanha online para arrecadar dinheiro para custos médicos que não eram cobertos pelo seguro de saúde da empresa e, então, divulgá-la nas redes sociais. Apenas 24 depois da postagem, ele relatou que foi chamado ao escritório do chefe do departamento e ouviu que precisava apagar por preocupações de que aquilo prejudicaria a imagem de Ellen.

“Eles descobriram minha arrecadação e ficaram bravos comigo. Eles estavam mais preocupados com a marca da Ellen do que com me ajudar”, lamentou o jovem, cuja história foi confirmada por outros quatro entrevistados.

Um mês depois, ele foi demitido por postar, no Stories de sua conta privada no Instagram, uma selfie rindo com outros funcionários no escritório, o que seria uma violação de contrato. No entanto, ele alegou que outras pessoas já haviam publicado fotos similares antes. “Seja gentil com o mundo, mas não com seus funcionários”, acusou.

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Ambiente de trabalho tóxico

De modo geral, os antigos contratos de DeGeneres explicaram que há uma divisão de membros que trabalham no programa: as pessoas que acham que está tudo bem e que normalmente são produtores bem vistos, e as pessoas que reconhecem que o ambiente de trabalho é tóxico. Aqueles que resistem aos produtores seniores normalmente não têm seus contratos renovados.

“Eles contratam pessoas que não têm experiência para saber como é um ambiente de trabalho funcional e não-tóxico, ou alguém que queira tanto estar ali que não liga para o que vai ter que aguentar. Eles alimentam isso falando, tipo, ‘Aqui é a Ellen, é o melhor que há. Você nunca vai achar nada melhor que isso'”, ponderou um dos ex-membros da equipe.

Trabalhar no programa seria apontado como um ‘sonho’ para fazer os funcionários trabalharem mais (Foto: Reprodução/Youtube)

De acordo com os funcionários, aqueles que têm personalidades mais amáveis, que estão disponíveis para trabalhar mais de 10 horas por dia sem reclamar e aqueles que ativamente ignoram como os gerentes e produtores seniores tratam os outros recebem ‘prêmios’ como iPhones, cartões-presentes, e outros mimos que o programa mantém de seus patrocinadores. “Todo mundo era infeliz a não ser que você fosse uma daquelas pessoas que era favorecida”, explicou um deles.

Alguns antigos trabalhadores apontaram que a cultura de trabalho do programa seria típica da produção televisiva, mas outros membros com experiência na indústria disseram que o ‘The Ellen DeGeneres Show’ se destacava como especialmente negativo. “Todos nós temos esse sentimento de ‘isso não é normal’ sobre o modo com que as pessoas são tratadas ali. E tem esse anúncio na porta. Ou seu contrato não é renovado no momento que você irrita alguém. Ou você não mostra que é extremamente grato e agradecido por trabalhar lá”, explicou um entrevistado.

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Outro ex-funcionário declarou que a cultura de trabalho era dominada pelo medo. Ele disse que o sentimento geral entre a equipe era ‘se você tem um problema, nem pense em trazê-lo à tona’. “Eu nunca me sentia seguro para falar ao meu gerente se eu tivesse problemas porque essa era a pessoa que esperava eu ir ao banheiro para me mandar uma mensagem perguntando onde eu estava e por que não estava na minha mesa”, expôs ele.

No entanto, eles ressaltaram que o maior problema são os produtores-executivos responsáveis por gerenciar tudo. “As pessoas focam nos rumores de como a Ellen é malvada e tudo mais, mas esse não é o problema. O problema são os três produtores-executivos comandando o programa que estão responsáveis por todas essas pessoas e que tornam a cultura assim, colocando esse sentimento de bullying e medo. Eles sentem que todo mundo que trabalha no ‘The Ellen Show’ é sortudo de trabalhar ali: ‘Se você tem um problema, você deveria sair porque nós vamos contratar mais alguém porque todo mundo quer trabalhar aqui'”, finalizou um antigo membro da equipe.

Resposta da produção

Procurados pelo ‘Buzzfeed News’, os três produtores executivos do talk-show, Ed Glavin, Mary Connelly, e Andy Lassner publicaram um comunicado em conjunto, afirmando que levam as histórias dos funcionários muito a sério.

“Ao longo de quase duas décadas, 3 mil episódios, e empregando mais de mil membros na equipe, nós almejamos criar um ambiente de trabalho aberto, seguro e inclusivo. Nós estamos verdadeiramente de coração partido e sentimos muito em saber que até menos uma única pessoa em nossa família de produção teve uma experiência negativa. Não é quem somos, nem quem almejamos ser, e não é a missão que a Ellen estabeleceu para nós”, declarou a nota.

“Para registro, as responsabilidades do dia a dia no ‘The Ellen Show’ são completamente nossas. Nós levamos tudo muito a sério e percebemos que, como muitos no mundo estão aprendendo, precisamos fazer melhor, estamos comprometidos a fazer melhor e faremos melhor”, finalizaram os produtores.